quarta-feira, 5 de maio de 2010

Alunos andam armados nas escolas de Salvador


Com a revista proibida, alunos andam armados nas escolas


Jorge Gauthier | Redação CORREIO
O muro que divide os colégios estaduais Getúlio Vargas e o Instituto
Central de Educação Isaías Alves (Iceia), no Barbalho, não é a faixa de
Gaza, mas separa zonas de uma guerra sem trincheiras. O falho controle no
acesso de pessoas às unidades de ensino permite que o muro seja
ultrapassado constantemente por usuários e traficantes de drogas, ladrões
e arruaceiros, segundo relatam os estudantes.
Adicionados à disputaestão os alunos do Estadual Suzana Imbassaí e do
Severino Vieira, que entram nas escolas a despeito do único vigilante do
turno. Para completar, à noite, adolescentes da comunidade Pela-Porco
fazem ronda na porta da escola.
“Eles vêm aqui e batemem todo o mundo. Fica a maior guerra. Os caras
entram na escola armados e ninguém faz nada”, conta um estudante da 7ª
série do Getúlio que já presenciou um aluno sendo ameaçado por um homem
com revólver no banheiro.
“Já entraram na escola para quebrar cadeiras. A gente só sai em grupo com
medo. Tem ainda um cara da Bamor que fica na porta da escola e bate em
quemvier com a roupa do Vitória”, conta um estudante do Getúlio que já
teve a mochila roubada na porta da escola no começo do ano.
Pai de três alunos no colégio Getúlio Vargas, um cobrador de ônibus que
pediu anonimato conta que a escola virou zona de perigo. “Meus filhos
contam que veem gente com arma dentro da escola, que entra semfarda ou até
mesmo com a farda emprestada.Morro de medo de acontecer algo com eles”,
relata.
DESPROTEGIDOS
Conflitos externos são apontados como os estopins para ocorrências
policiais na escola, desde briga por namoro até rixa de tráfico de drogas.
Resultado: o Getúlio Vargas é a escola que tem o maior índice de
ocorrências registradas pela Delegacia para o Adolescente Infrator (DAI).
Ano passado, foram três casos. Este ano, já foram cinco.
A migração dos conflitos externos para a escola não é exclusividade do
Barbalho. Segundo a delegada Claudenice Mayo, titular da DAI, uma briga
além escola foi a principal motivação do atentado conta o adolescente
T.L.S., 15 anos, golpeado por dois colegas com uma faca na Escola Anísio
Teixeira, na Caixa d’Água, na última segunda- feira.
A entrada de armas nas escolas, segundo as secretarias municipal e
estadual de Educação, não pode ser evitada, visto que o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) impede a revista e a instalação de
detectores de metais. Com isso, diz a delegada, há uma sensação de
liberdade por parte dos alunos para levar armas para a escola.
“Como eles sabem que não serão revistados, levam as armas quando querem
cometer algum delito”, explica. Levantamento da DAI indica que ano passado
foram apreendidas 13 armas brancas e de fogo nas escolas da capital. Este
ano já foram quatro.
INSEGURANÇA
Há quatro anos trabalhando no Colégio Estadual Carneiro Ribeiro, no Pero
Vaz, segundo no ranking de casos registrados em 2009 e 2010 pela DAI, o
vigilante da escola, que teme se identificar, conta que temalunos que
chegam a anunciar que estão armados. “Às vezes eles ficam no pátio
exibindo facas e estiletes, mas não reclam o porque senão podem me
agredir”.
Uma funcionária da escola, que também pediu anonimato, conta que teve os
pneus do carro esvaziados após separar a briga de dois alunos. “Eles me
ameaçaram, mas pensei que era brincadeira, mas vi queeraverdade.Depois
disso, não me envolvo mais em briga”, conta a funcionária da escola, que
ano passado registrou quatro ocorrências na DAI. Este ano, já foram três.
Em 2009, nas escolas de Salvador foram registradas 282 ocorrências pela
DAI. A maioria (133) de lesão corporal, o que corresponde a 23% do total
de ocorrências. “O problema da presença da arma é que ela confere poder ao
seu portador. Cada vez mais, os alunos estão usando desse artifício”,
explica a delegada. Este ano, até abril, a DAI já registrou 59 ocorrências
nas escolas, sendo que no mês de abril houve um crescimento de 40% com
relação ao ano passado.
Igualdade no crime: perigo feminino
As adolescentes já não são mais as vítimas das infrações, agora são
autoras. Este ano, das 76 apreensões de menores pela DAI, 40% tiveram
meninas como autoras. “Há uma banalização da vida na sociedade, que é
repassada para as escolas”, explica a delegada titular, que alerta para a
subnotificação de casos.
“Muitas vezes a PM (Rondas Escolares) ou a escola não encaminha o caso
para a delegacia por julgarem irrelevante”. O coordenador do Programa
Ronda Escolar, capitão Ubiracy Vieira, foi procurado pela reportagem para
comentar a violência nas escolas, mas não retornou as ligações até o
fechamento da edição.
Aposta na pedagogia
A comerciante Fátima Andrade, moradora de Pernambués, leva seu filho
Filipe Mateus, 12 anos, religiosamente até o último portão do Colégio
Estadual Carneiro Ribeiro, na Soledade. A mãe não dispensa a medida, que
até envergonha o pré-adolescente.
A superintendente de Acompanhamento e Avaliação da Secretaria de Educação
da Bahia (SEC), Eni Bastos, reconhece que há problemas em algumas escolas,
mas destaca a necessidade de projetos de valorização dos estudantes.
“Há um problema de segurança que não é generalizado em todas as escolas”.
Como os vigilantes possuem restrições, a SEC aposta na pedagogia. “Um
vigilante de uma escola não pode andar armado, pois há problemas nas
unidades que são de indisciplina e que devemser resolvidos com orientação
pedagógica. Nos casos extremos, contamos com apoio da Ronda Escolar da
Polícia Militar”, disse Bastos, que informou estar aberto processo de
licitação para instalação de câmeras em algumas escola junto com projetos
de cidadania.
Na rede municipal, segundo o coordenador de segurança partrimonial
Washington Lopes, os vigilantes recebem treinamento especial para lidar
com as ocorrências de violência. “É feita uma capacitação diferenciada
para o trabalho preventivo, semo uso de violência”.
Violência para todos
As instituições públicas de ensino costumam ser rotuladas como o epicentro
da violência, mas segundo levantamento da DAI, a rede particular não está
isenta. Este ano, a delegacia registrou, por exemplo, um caso de lesão
corporal no Escola Adventista, em 22 de abril, e um roubo no Colégio
Vitória Régia, em 19 de abril. Mas a quantidade é ainda maior nas
públicas.
“Dificilmente uma escola privada registra ocorrência para não manchar a
imagem da instituição. Acredito que muito mais coisa acontece, mas aqui só
vemo que é muito grave, como há dois anos, quando o filho de uma
procuradora do estado espancou outro aluno”, diz a delegada Claudenice
Mayo.
A professora Heloísa Monteiro, diretora do Sindicato dos Professores da
Bahia, indica que a violência é um reflexo dos problemas sociais.
“Acontece tanto na rede privada quanto na pública. A violência é um
problema urbano, que reflete a perspectiva da sociedade e a escola é usada
como espaço vulnerável para refletir esses conflitos sociais”. A saída,
diz ela, é investir na formação do aluno como cidadão.
Agressões recorrentes nas escolas
Foi-se o tempo em que os alunos ficavam de pé diante das carteiras até o
professor ordenar que todos se sentassem. Hoje, as coisas estão bem
diferentes. Em 3 de março, no Colégio Edvaldo Brandão Correia, Cajazeiras
IV, por exemplo, o adolescente F.S.L., 15 anos, esfaqueou o professor de
artes em sala de aula. O adolescente chegou a ficar no centro de
acompanhamento de menores, mas foi liberado pela Justiça.
Este ano, outros casos graves invadiram os portões das instituições de
ensino, além do adolescente T.L.S., 15 anos, que foi golpeado por dois
colegas com uma faca na Escola Anísio Teixeira na Caixa d’Água na
segunda-feira. Em 24 de março, quatro homens mataram um jovemno Colégio
Filadélfia, em Vila Canária.
Já em 1 de abril, o estudante S.J.S., 17, tomou uma facada no pescoço na
Escola Estadual Bertholdo Cirilo dos Reis, São João do Cabrito. Outro caso
grave foi um atentado contra um jovemem 24 de setembro na Escola
Ocridalina Madureira, em Masssaranduba. Em 31 de março, um estudante do
Colégio Governador Roberto Santos, no Cabula, foi esfaqueado nas costas.

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