Com a revista proibida, alunos andam armados nas escolasJorge Gauthier | Redação CORREIOO muro que divide os colégios estaduais Getúlio Vargas e o InstitutoCentral de Educação Isaías Alves (Iceia), no Barbalho, não é a faixa deGaza, mas separa zonas de uma guerra sem trincheiras. O falho controle noacesso de pessoas às unidades de ensino permite que o muro sejaultrapassado constantemente por usuários e traficantes de drogas, ladrõese arruaceiros, segundo relatam os estudantes.Adicionados à disputaestão os alunos do Estadual Suzana Imbassaí e doSeverino Vieira, que entram nas escolas a despeito do único vigilante doturno. Para completar, à noite, adolescentes da comunidade Pela-Porcofazem ronda na porta da escola.“Eles vêm aqui e batemem todo o mundo. Fica a maior guerra. Os carasentram na escola armados e ninguém faz nada”, conta um estudante da 7ªsérie do Getúlio que já presenciou um aluno sendo ameaçado por um homemcom revólver no banheiro.“Já entraram na escola para quebrar cadeiras. A gente só sai em grupo commedo. Tem ainda um cara da Bamor que fica na porta da escola e bate emquemvier com a roupa do Vitória”, conta um estudante do Getúlio que játeve a mochila roubada na porta da escola no começo do ano.Pai de três alunos no colégio Getúlio Vargas, um cobrador de ônibus quepediu anonimato conta que a escola virou zona de perigo. “Meus filhoscontam que veem gente com arma dentro da escola, que entra semfarda ou atémesmo com a farda emprestada.Morro de medo de acontecer algo com eles”,relata.DESPROTEGIDOSConflitos externos são apontados como os estopins para ocorrênciaspoliciais na escola, desde briga por namoro até rixa de tráfico de drogas.Resultado: o Getúlio Vargas é a escola que tem o maior índice deocorrências registradas pela Delegacia para o Adolescente Infrator (DAI).Ano passado, foram três casos. Este ano, já foram cinco.A migração dos conflitos externos para a escola não é exclusividade doBarbalho. Segundo a delegada Claudenice Mayo, titular da DAI, uma brigaalém escola foi a principal motivação do atentado conta o adolescenteT.L.S., 15 anos, golpeado por dois colegas com uma faca na Escola AnísioTeixeira, na Caixa d’Água, na última segunda- feira.A entrada de armas nas escolas, segundo as secretarias municipal eestadual de Educação, não pode ser evitada, visto que o Estatuto daCriança e do Adolescente (ECA) impede a revista e a instalação dedetectores de metais. Com isso, diz a delegada, há uma sensação deliberdade por parte dos alunos para levar armas para a escola.“Como eles sabem que não serão revistados, levam as armas quando queremcometer algum delito”, explica. Levantamento da DAI indica que ano passadoforam apreendidas 13 armas brancas e de fogo nas escolas da capital. Esteano já foram quatro.INSEGURANÇAHá quatro anos trabalhando no Colégio Estadual Carneiro Ribeiro, no PeroVaz, segundo no ranking de casos registrados em 2009 e 2010 pela DAI, ovigilante da escola, que teme se identificar, conta que temalunos quechegam a anunciar que estão armados. “Às vezes eles ficam no pátioexibindo facas e estiletes, mas não reclam o porque senão podem meagredir”.Uma funcionária da escola, que também pediu anonimato, conta que teve ospneus do carro esvaziados após separar a briga de dois alunos. “Eles meameaçaram, mas pensei que era brincadeira, mas vi queeraverdade.Depoisdisso, não me envolvo mais em briga”, conta a funcionária da escola, queano passado registrou quatro ocorrências na DAI. Este ano, já foram três.Em 2009, nas escolas de Salvador foram registradas 282 ocorrências pelaDAI. A maioria (133) de lesão corporal, o que corresponde a 23% do totalde ocorrências. “O problema da presença da arma é que ela confere poder aoseu portador. Cada vez mais, os alunos estão usando desse artifício”,explica a delegada. Este ano, até abril, a DAI já registrou 59 ocorrênciasnas escolas, sendo que no mês de abril houve um crescimento de 40% comrelação ao ano passado.Igualdade no crime: perigo femininoAs adolescentes já não são mais as vítimas das infrações, agora sãoautoras. Este ano, das 76 apreensões de menores pela DAI, 40% tiverammeninas como autoras. “Há uma banalização da vida na sociedade, que érepassada para as escolas”, explica a delegada titular, que alerta para asubnotificação de casos.“Muitas vezes a PM (Rondas Escolares) ou a escola não encaminha o casopara a delegacia por julgarem irrelevante”. O coordenador do ProgramaRonda Escolar, capitão Ubiracy Vieira, foi procurado pela reportagem paracomentar a violência nas escolas, mas não retornou as ligações até ofechamento da edição.Aposta na pedagogiaA comerciante Fátima Andrade, moradora de Pernambués, leva seu filhoFilipe Mateus, 12 anos, religiosamente até o último portão do ColégioEstadual Carneiro Ribeiro, na Soledade. A mãe não dispensa a medida, queaté envergonha o pré-adolescente.A superintendente de Acompanhamento e Avaliação da Secretaria de Educaçãoda Bahia (SEC), Eni Bastos, reconhece que há problemas em algumas escolas,mas destaca a necessidade de projetos de valorização dos estudantes.“Há um problema de segurança que não é generalizado em todas as escolas”.Como os vigilantes possuem restrições, a SEC aposta na pedagogia. “Umvigilante de uma escola não pode andar armado, pois há problemas nasunidades que são de indisciplina e que devemser resolvidos com orientaçãopedagógica. Nos casos extremos, contamos com apoio da Ronda Escolar daPolícia Militar”, disse Bastos, que informou estar aberto processo delicitação para instalação de câmeras em algumas escola junto com projetosde cidadania.Na rede municipal, segundo o coordenador de segurança partrimonialWashington Lopes, os vigilantes recebem treinamento especial para lidarcom as ocorrências de violência. “É feita uma capacitação diferenciadapara o trabalho preventivo, semo uso de violência”.Violência para todosAs instituições públicas de ensino costumam ser rotuladas como o epicentroda violência, mas segundo levantamento da DAI, a rede particular não estáisenta. Este ano, a delegacia registrou, por exemplo, um caso de lesãocorporal no Escola Adventista, em 22 de abril, e um roubo no ColégioVitória Régia, em 19 de abril. Mas a quantidade é ainda maior naspúblicas.“Dificilmente uma escola privada registra ocorrência para não manchar aimagem da instituição. Acredito que muito mais coisa acontece, mas aqui sóvemo que é muito grave, como há dois anos, quando o filho de umaprocuradora do estado espancou outro aluno”, diz a delegada ClaudeniceMayo.A professora Heloísa Monteiro, diretora do Sindicato dos Professores daBahia, indica que a violência é um reflexo dos problemas sociais.“Acontece tanto na rede privada quanto na pública. A violência é umproblema urbano, que reflete a perspectiva da sociedade e a escola é usadacomo espaço vulnerável para refletir esses conflitos sociais”. A saída,diz ela, é investir na formação do aluno como cidadão.Agressões recorrentes nas escolasFoi-se o tempo em que os alunos ficavam de pé diante das carteiras até oprofessor ordenar que todos se sentassem. Hoje, as coisas estão bemdiferentes. Em 3 de março, no Colégio Edvaldo Brandão Correia, CajazeirasIV, por exemplo, o adolescente F.S.L., 15 anos, esfaqueou o professor deartes em sala de aula. O adolescente chegou a ficar no centro deacompanhamento de menores, mas foi liberado pela Justiça.Este ano, outros casos graves invadiram os portões das instituições deensino, além do adolescente T.L.S., 15 anos, que foi golpeado por doiscolegas com uma faca na Escola Anísio Teixeira na Caixa d’Água nasegunda-feira. Em 24 de março, quatro homens mataram um jovemno ColégioFiladélfia, em Vila Canária.Já em 1 de abril, o estudante S.J.S., 17, tomou uma facada no pescoço naEscola Estadual Bertholdo Cirilo dos Reis, São João do Cabrito. Outro casograve foi um atentado contra um jovemem 24 de setembro na EscolaOcridalina Madureira, em Masssaranduba. Em 31 de março, um estudante doColégio Governador Roberto Santos, no Cabula, foi esfaqueado nas costas.
quarta-feira, 5 de maio de 2010
Alunos andam armados nas escolas de Salvador
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